Infelizmente, o colonialismo cultural expandiu-se da alimentação à música, do teatro às roupas e a diversas áreas. Fico espantado ao observar que em cada dez músicas tocadas no rádio, nove são norte americanas; ou que, em vez de servirmos cachaça nos banquetes oficiais, brindamos com o champanhe francês.
Nos tempos de criança, no pequeno distrito de São Sebastião dos Pintos, observava nos dia de missa os homens tomarem uma talagada da branquinha de fabricação local ou “importada”, especialmente de Salinas – considerada a melhor cachaça do Brasil. Eles tinham um cerimonial próprio para beber a branquinha: utilizavam um copo de cristal ou vidro oitavado, jogavam um pouquinho do conteúdo para trás (para o “santo”, defendendo do mau olhado e dando sorte com as moças bonitas) e bebiam o resto em único sorvo. Também me impressionava a discriminação contra a cachaça. As pessoas consideradas de bem não as tomavam em público, mas a bebiam em casa e apareciam bicudas na rua. E o mais grave, as pessoas da classe mais elevada tomavam cerveja, vinho ou outras bebidas e levavam o apelido de cachaceiros. Às mulheres não se permitia nem de longe tomar cachaça, principalmente em público. As que se arriscavam, ficavam marcadas como vulgares ou coisa pior.
Estas lembranças ficaram em minha mente. Fui observando ao longo da vida o pouco valor que dá às coisas nacionais. Os bonitos e gostosíssimos biscoitos de polvilho, os bolos, as brevidades, a broa de milho, a canjica grossa, a batata-doce, o cuscuz, a rapadura, todos de alto valor nutritivo e baixo custo, foram aos poucos substituídos pelos chamados “biscoitos do reino” e por outros produtos importados – mais caros. O milho, a mandioca e seus derivados perderam espaço para o trigo importado.
Infelizmente, o colonialismo cultural expandiu-se da alimentação à música, do teatro às roupas e a diversas áreas. Fico espantado ao observar que em cada dez músicas tocadas no rádio, nove são norte americanas; ou que, em vez de servirmos cachaça nos banquetes oficiais, brindamos com o champanhe francês.
Durante meus 17 anos de exílio, pude observar o modo festivo e a participação popular nas datas cívicas, especialmente no dia da independência, em vários países. Assim, quando assumi o cargo de ministro da Cultura, defini em meu discurso um programa de resgate das raízes da cultura brasileira sem, contudo, assumir uma atitude xenofobista. Queria a contribuição da cultura europeia, africana, asiática, latino-americana, norte-americana, mas sem a imposição e a distorção colonialista.
Na primeira oportunidade de comemoração do Sete de Setembro, propus a todo o País um programa festivo, que denominamos “Pintando o Sete”. O Dia da Pátria teve um tratamento especial. Organizamos um belo programa de festividades em Brasília. A abertura ficou por conta do Coral Ars Nova da UFMG e foi prestigiada pelo presidente Sarney e por vários ministros. Convidamos Tom Jobim e um grupo organizado por ele para um show, que reuniu milhares de pessoas na Praça dos Três Poderes. Quebrou-se assim a rotina de comemorar o Sete de Setembro somente com os desfiles militares – que são importantes, mas não permite que o povo participe diretamente. A imprensa noticiou amplamente as comemorações. Em entrevista a uma importante emissora de televisão, comentei o assunto e falei sobre os festejos do Dia da Pátria nos Estados Unidos e, sobretudo no Chile. Neste país, o povo vai às ruas, come empanados e toma vinho oferecido gratuitamente pelas empresas. Propus que no Brasil as comidas típicas, como a broa de milho, fossem servidas ao povo, assim como a cachacinha – que, queiramos ou não, é a bebida nacional. Sugeri, ainda, que as bandas de música abrissem o Dia 7 de Setembro com as célebres matinatas. A crítica de alguns poucos jornalistas de gabinete foi abafada pela realidade do povo. O Brasil inteiro aplaudiu nossa ideia.
Mesmo que alguma pessoas discordem, a verdade é que a cachaça pegou. Em seu governo, por exemplo, o presidente Fernando Henrique Cardoso adotou a branquinha em um banquete oferecido ao presidente de Portugal. Os produtores estão investindo na qualidade e na comercialização da branquinha. A cachaça transformou-se em um produto de exportação e cada vez mais é vista em restaurantes requintados.
Aluísio Pimenta, Professor e membro da Academia Mineira de Letras.
Texto originalmente publicado em: Diário da Tarde; Caderno Opinião, página 02; 05/04/2003
1 Comment
Alfredo Miranda
Que maravilha! Fiquei muito entusiasmado! Acho que esse ponto de vista precisa ser mais festejado, faço coro ao saudoso prof. Pimenta, acho que precisamos olhar para nossos símbolos culturais com a verdadeira admiração e importância que eles têm. Sou mais ousado. Defendo que precisamos olhar essas produções culturais como verdadeiramente nossas, sem estranhamento ou tratando como exótico, afinal, São eles que nos aproxima das nossas Raízes europeias, Originárias e africanas. Parabéns.