O Presidente Fernando Henrique Cardoso tomou duas medidas corajosas em relação à cachaça brasileira. Infelizmente os fatos não tiveram o destaque adequado na imprensa brasileira. O primeiro foi o brinde com um cálice de nossa cachaça no banquete oferecido ao Presidente de Portugal, substituindo a taça de champanhe francês, como tem sido protocolo nestas ocasiões. O outro ato de coragem foi levar à Rússia, em uma de suas viagens, nossa aguardente para brinde às autoridades do país da vodca, bebida conhecida e saboreada em todo o mundo.
Quando fui Ministro da Cultura no Governo Sarney, sofri muitas críticas de alguns setores da imprensa nacional por defender produtos genuinamente brasileiros, como a pinga. Sempre atuei no sentido de encararmos o processo cultural brasileiro sob o ponto de vista antropológico. Tinha como base nosso povo, dentro de um visão recolhida de dois expoentes da cultura brasileira: Fernando Azevedo, com sua notável obra “A cultura brasileira”, e Josué de Castro, com a “Geopolítica da Fome” e a “Geografia da fome”. Nunca fui xenofobista, mas desde menino aprendi a valorizar as coisas do Brasil. Esta determinação cresceu nos 17 anos que vivi fora de minha pátria, forçado pela ditadura de 1964. Durante este período, me convenci de que a falta de conhecimento sobre o brasil é um dos fatores que atrapalham o desenvolvimento do país e de sua gente criativa e laboriosa. Muitos de nossos dirigentes e políticos não conhecem o Brasil real, suas grandezas e suas dificuldades. Costumo dizer que eles nunca pisaram na “bosta de boi” ou jamais apanharam “carrapatinho”.
Dentro do nosso compromisso de valorizar a cultura brasileira, resolvemos comemorar o dia Sete de Setembro com uma bonita festa cívica e, sobretudo, com a participação popular em todos os cantos do Brasil. Em Brasília, organizamos várias festividades, reunindo milhares de pessoas, especialmente jovens. Alguns dias antes da Semana da Pátria fui entrevistado por vários meios de comunicação. Nestas ocasiões, destaquei a importância da comemoração das datas cívicas com a participação ativa do povo, como ocorre em vários países. Lembrei, sem querer copiar, os exemplos das festas de independência dos Estados Unidos e do Chile, onde este dia é comemorado com grandes festejos populares, com bebidas e comidas típicas. Propus que o nosso Sete de Setembro representasse um dia de afirmação da nacionalidade e da cultura brasileira, com nossas comidas e bebidas típicas, como a broa de milho, o pão-de-queijo e a cachacinha.
Nesta mesma época, sugeri que o champanhe francês fosse substituído por um cálice de cachaça nos brindes dos banquetes oficiais. Por esta proposta, sofri a maior campanha de ridicularização de determinada imprensa do Rio e de São Paulo. Fui batizado de ministro da broa de milho e da cachacinha, de jeca e de provinciano. Chegaram a dizer que eu estava apoiando o “alcoolismo”. Primeiramente, não podia apoiar o alcoolismo, pois este já é uma fase da doença produzido pelo vício da bebida. O que eu pretendia era que se desse à cachaça brasileira o prestígio do uísque, do champanhe e de outras bebidas de influência internacional. Felizmente recebi o total apoio da imprensa de Minas e de outros estados. Por isso, foi com alegria que recebi a notícia das duas medidas corajosas do presidente Fernando Henrique. Brindar em banquete oficial com a nossa pinga e levar à Rússia a nossa cachacinha são atos louváveis. Parabéns, Presidente. Falta agora prestigiar a broa de milho, gostosa e nacional.
Aluísio Pimenta é Professor e membro da Academia Mineira de Letras.
Texto originalmente publicado em: Jornal Hoje em Dia, Caderno Opinião, página 02; 16/03/2002