A cachaça nacional

O sucesso da feira foi garantido, entre outros, pelo crescimento da exportação da aguardente brasileira, que ganhou status mundial de bebida fina.

Li com satisfação, nos jornais da Capital, as reportagens sobre a “IV Feira Festival Nacional da Cachaça”, realizada na Serraria Souza Pinto, em Belo Horizonte. Este ano os 160 estandes de cachaça e equipamentos para o setor atraíram cerca de 12 mil pessoas por dia. O sucesso da feira foi garantido, entre outros, pelo crescimento da exportação da aguardente brasileira, que ganhou status mundial de bebida fina.

Durante o Governo Sarney, exerci o cargo de ministro da Cultura. Neste período criei várias assessorias, como a Afro-brasileira, da Condição Indígena, da Condição da Mulher, além de grupos de trabalho voltados às datas cívicas e à culinária brasileira. Meu projeto era apoiar a cultura brasileira sem xenofobismo, isto é, sem combater a cultura de outros países mas, ao mesmo tempo, tratando de impedir o colonialismo cultural – um estigma negativo para nossos valores e raízes culturais.

Mas, Brasília, cidade pela qual tenho grande carinho, carrega consigo um enorme perigo: o envolvimento em reuniões sociais, coquetéis e solenidades que nos distanciam do nosso Estado de origem e até mesmo do nosso país. Percebendo isso, procurei e consegui vencer esta “prisão carinhosa”. Ao final do expediente, tomava um avião da FAB e ia vistas os diferentes Estados da Federação, onde participava de reuniões com representantes de vários setores culturais. Correr o Brasil foi para mim um verdadeiro aprendizado. Aprendi com o povo – quem realmente sabe – a apreciar as comidas típicas, as frutas, as bebidas de todas as regiões. Neste caminho, visitei tribos indígenas e tive até a oportunidade de permanecer por duas noites em uma delas.

Vivenciando o Brasil, recordei dos meus tempos de infância. Propus, então, ao presidente José Sarney, que comemorássemos o 7 de Setembro com uma festa popular em todo o país. Dei ao projeto o nome de “Pintando o Sete”. Quando criança celebrávamos a data magna de nossa pátria na escola com participação dos pais e de amigos. Eram servidos a broa de milho, o cuscuz, frutas locais e garapa. Realizávamos caminhadas cívicas e cantávamos. Na adolescência, época da ditadura Vargas, vim para Belo Horizonte, onde o Dia da Independência era comemorado apenas com uma parada militar, em que alguns colégios desfilavam como “convidados compulsórios”. Anos mais tarde assisti na Inglaterra, às festividades de aniversário da Rainha, uma festa popular do Reino Unido. No Chile, presenciei as comemorações do dia da independência, ocasião em que o vinho, a bebida nacional, é servida de graça nas ruas.

Não pretendia com o projeto “Pintando o Sete” interferir nas paradas militares, mas tornar o 7 de setembro uma festa popular, como as que conheci. Levamos, assim, para Brasília o Coral Ars Nova da UFMG, que cantou para o presidente Sarney e para a multidão que se reuniu na Praça do Congresso. Foi um sucesso. Durante a preparação desta solenidade, fui convidado a dar várias entrevistas. Em uma delas, esclareci as razões da festa popular “Pintando o Sete” e lembrei que o povo deveria ter a oportunidade de deliciar as nossas comidas típicas e a nossa cachacinha, bebida genuinamente nacional. Alguns jornais do Rio e de São Paulo procuraram ridicularizar-me. Em compensação, recebi elogios e apoios dos jornais de Minas Gerais e dos demais Estados da Federação.

Por isso, foi com alegria que li no bem elaborado suplemento “Economia” do jornal “Estado de Minas” (julho de 2001), na coluna “Carta ao leitor”, o texto que começa com as seguintes palavras: “Durante o governo Sarney, o então ministro da Cultura Aluísio Pimenta chegou a reconhecer que o Brasil deveria adotar a cachaça como bebida oficial nos brindes organizados pelo Itamaraty”.  A semente lançada há 14 anos frutificou. O presidente Fernando Henrique já levantou um brinde com a nossa branquinha em jantar oferecido ao presidente de Portugal. Recentemente, o governador Itamar Franco assinou decreto considerando a cachaça como bebida oficial nas recepções no Palácio da Liberdade.

A Cachaça é, hoje, um motivo de orgulho nacional. Esperamos que outros elementos da cultura brasileira também sejam devidamente valorizados pelo povo e pelos governantes.

Aluísio Pimenta, professor e membro da Academia Mineira de Letras.

Texto originalmente publicado em: Jornal Diário da Tarde; Caderno Opinião, Página 2; 21/07/2001

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