“Sugeri que as pessoas fossem para as ruas comemorar a data e prestigiar as coisas do Brasil – a cachacinha, a broa de milho…”
Quando assumi o Ministério da Cultura, em 1985, me senti na obrigação de pôr em marcha um programa que preservasse as raízes culturais brasileiras, já ameaçadas pela mundialização e pela globalização. Não tinha e não tenho, nenhum pensamento de isolamento ou xenofobismo. Sempre fui favorável aos intercâmbios, mas pude perceber durante os vários anos que vivi fora do Brasil como os países do Primeiro Mundo influenciam a cultura dos países de menores recursos, estabelecendo um colonialismo cultural mais grave do que o econômico.
O colonialismo cultural distorce as fundações da própria nação e enfraquece a autoestima de seus habitantes. Claro que refiro à cultura em seu sentido antropológico, isto é, de acordo com o pensamento de Fernando Azevedo: “A cultura passou a abranger não somente os elementos espirituais, mas todos os modos de vida e portanto, também as características materiais da vida e da organização dos diferentes povos”. Podemos resumir dizendo que a cultura abrange tudo aquilo que represente as manifestações humanas, desde o nascimento até a morte.
Dentro desse entendimento, passamos a desenvolver um programa de defesa das nossas raízes culturais. Percorri o território brasileiro discutindo com universidades e outros setores educacionais, sindicais, populações indígenas, minorias afro-brasileiras e lideranças femininas o programa do Ministério. Desenvolvemos ações que valorizassem os índios, os negros, as mulheres, os portadores de deficiências física, bem como as características culturais de nossa alimentação. Criamos no MinC várias assessorias para estes setores que não eram considerados nos programas culturais. Neste processo, fui incompreendido e criticado por parte da imprensa do Rio de Janeiro e de São Paulo por defender entre outros a cachaça, a broa de milho e as bandas de música.
Desde aquela época eu já defendia a popularização da cachaça, principalmente nas comemorações de 7 de setembro, dia de nossa independência. Organizamos em Brasília e conseguimos que se estruturassem em vários Estados da Federação comemorações populares como as que observei em outros países. No Chile, por exemplo, o povo vai às ruas comemorar a independência. A população dança a “cueca”, come o congro – peixe característico da região – e toma vinho, a bebida popular do país.
Durante as festas de 7 de setembro fui convidado para falar no Programa “Bom dia Brasil” da Rede Globo de Televisão. Expliquei as razões da comemoração voltada para a participação do povo. Sugeri que as pessoas fossem para as ruas comemorar a data e prestigiar as coisas do Brasil – a cachacinha, a broa de milho, o acarajé e outros alimentos típicos de cada Estado – em lugar de empanturrar-se com os fast foods, que estavam colonizando nossa cultura. Fui amplamente criticado.
Em outra ocasião, no jantar oferecido pelo Itamaraty ao primeiro ministro da China, em visita ao Brasil, o presidente José Sarney levantou um brinde ao Governo chinês com uma taça de champanhe. Como é de praxe, a embaixada da China, em agradecimento, retribuiu o banquete e o brinde foi levantado com uma bebida chinesa. Alguns dias depois uma repórter de Brasília, sabendo que eu conhecia a China, perguntou qual era a minha impressão sobre a visita das autoridades chinesas. Dei minha opinião e aproveitei a oportunidade para sugerir que os brindes levantados nos banquetes oficiais do Governo brasileiro fossem feitos com um cálice de cachaça – a popular branquinha de Minas Gerais. Mais uma vez, alguns jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo rotularam-me de “Ministro Caipira” e “Ministro da broa de milho”.
Agora o assunto vem novamente à baila. O presidente Fernando Henrique em um banquete oferecido ao presidente de Portugal levantou um brinde com um cálice de cachaça – creio que com a branquinha mineira. A imprensa registrou o fato sem, no entanto, tecer críticas. Um dos motivos é que hoje existem várias associações de defesa da cachaça e dos produtores da branquinha, produto conhecido internacionalmente. Elas lutam para que a cachaça esteja presente nas recepções oficiais em que sejam servidas bebidas alcoólicas. Desta forma, ela estaria oficializada em tais eventos.
Por outro lado, o professor Elias Murad – um bravo oponente do uso de drogas, fumo e álcool -, protesta contra a oficialização da branquinha, temendo a ampliação do alcoolismo, no que tem uma certa razão. Mas, neste caso, a campanha deveria ser voltada contra a presença de bebidas alcoólicas em todas as festas e recepções oficiais e não apenas contra a branquinha mineira.
Finalmente, a crítica que recebi por incentivar o desenvolvimento das bandas de música serviu para despertar em muita gente e em vários Estados a necessidade de apoiar essa magnífica manifestação cultural. Espero que este apoio seja levado a outros setores culturais. Nesta era da globalização temos que saber preservar a nossa cultura.
Aluísio Pimenta é membro da Academia Mineira de Letras, ex-ministro da Cultura, ex-reitor da UFMG e da UEMG. Escreve aos sábados nesta coluna.
Texto originalmente publicado em: Jornal Diário da Tarde, Caderno Opinião, Página 2; 24/06/2000.
2 Comments
pedro
muito bom seu site gostei muito do seu conteúdo.Vou passar mais vezes para ver as atualizações.abraço para vcs.
administrador
Olá, Pedro! Agradecemos pelo seu comentário e interesse pelas nossas publicações 🙂
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